
Lembrei-me da primeira vez que li um poema dele: foi num livro didático, na 4ª série. O poema era esse:
O bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Lembro-me que fiquei chocada. Lembro-me também do professor Roberto, lendo-o, com sua voz grave e forte... a entonação em cada estrofe... ficava imaginando a cena. E esse poema ficou marcado na minha cabeça.
Depois ainda conheci outros versos de Bandeira, mas estes ficaram marcados pela sensação que me causou... como diria um professor da faculdade: "Causou estranhamento!"
Acabei de lembrar de outros versos, que também conheci através dos livros didáticos da época da escola:
Pardalzinho
O pardalzinho nasceu
Livre. Quebraram-lhe a asa.
Sacha lhe deu uma casa,
Água, comida e carinhos.
Foram cuidados em vão:
A casa era uma prisão,
O pardalzinho morreu.
O corpo Sacha enterrou
No jardim; a alma, essa voou
Para o céu dos passarinhos!
O pardalzinho nasceu
Livre. Quebraram-lhe a asa.
Sacha lhe deu uma casa,
Água, comida e carinhos.
Foram cuidados em vão:
A casa era uma prisão,
O pardalzinho morreu.
O corpo Sacha enterrou
No jardim; a alma, essa voou
Para o céu dos passarinhos!
Apesar de ter estudado em uma escola pública, usando aqueles livros "rotativos" (um aluno usava durante o ano e no seguinte repassava para outro aluno), tive a oportunidade de conhecer Bandeira. E naquele ano, na 4ª série, uma semente foi plantada em mim. Anos depois, aquela semente foi responsável por uma escolha que fiz e que é para a vida inteira: optar pelo curso de letras, na faculdade.
Já na faculdade, me deparei com estes versos:
Antologia
A vida não vale a pena e a dor de ser vivida.
Os corpos se entendem mas as almas não.
A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
Vou-me embora pra Passárgada!
Aqui não soi feliz.
Quero esquecer tudo:
- A dor de ser homem...
Este anseio infinito e vão
De possuir o que me possui.
Quero descansar
Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei...
Na vida inteiraue podia ter sido e que não foi.
Quero descansar.
Morrer.
Morrer de corpo e alma.
Completamente.
(Todas as manhãs o aeroporto em frente me dá lições de partir)
Quando a Indesejada das gentes chegar
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.
Este poema está na contracapa do Estrela da Vida Inteira e tem um título bem apropriado: Antologia. Cada estrofe é retirada de outro poema de Bandeira, virando um mosaico com novo sentido. Um dos meus poemas preferidos!
Deixo para vocês a tarefa de identificar em quais poemas os versos estão presentes. Topam?